201303.25
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O direito de regresso entre os avalistas

Actualmente, e atentas as dificuldades económicas cada vez maiores dos cidadãos e das empresas, ganha especial relevância a matéria das garantias das obrigações, em especial quando os credores, cada vez mais impacientes, se encontram ávidos na recuperação mais rápida e menos onerosa do seu crédito.

É conhecida a importância de que as garantias das obrigações se revestem num contexto económico – como o nosso – altamente depressivo: a maioria das operações comerciais já não se realizam sem elas, uma vez que os credores, no presente, já retiraram ensinamentos para o futuro de casos em que as coisas, feitas de outra forma, não correram bem.

Importa aqui analisar a resposta às seguintes perguntas: o que acontece quando, em determinadas operações comerciais em incumprimento, existindo vários garantes, o credor vem exigir a totalidade do seu crédito a um deles porque apresenta melhores condições de solvabilidade e possui bens “facilmente” atacáveis? O que acontece aos demais obrigados? Deixam de ser responsabilizados? A aquele que “paga pelos outros” não assistirá direito que mereça ser salvaguardado em relação aos seus “consortes” que nada pagaram?

As questões acabadas de descrever são o pano de fundo do nosso dia-a-dia: lembre-se, por exemplo, na vulgaridade de os vários sócios de uma empresa serem, na grande maioria das vezes, avalistas das operações comerciais da própria empresa.

Tudo isto para abordar, atenta a sua premência, a importância de uma recente decisão judicial do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão n.º 7/2012 publicado no Diário da República em 17/07/2012), de que poucos terão, certamente, ouvido falar, mas que, não só é relevantíssimo para a nossa Justiça (é a resposta para muitos dos processos que ainda hoje pendem nos nossos tribunais) como para a defesa e salvaguarda dos direitos e interesses daqueles que respondem por créditos de forma exclusiva quando não o deviam.

O que é que tal decisão traz de novo? A uniformização da jurisprudência quanto à matéria do direito de regresso entre os avalistas que prestaram ao credor a sua garantia numa livrança, documento que, tipicamente, serve para titular uma qualquer operação comercial.

Tal decisão não assume “força de lei”: no entanto, essa uniformização colhe o mérito de ser, como nele se refere, um “precedente judicial qualificado”, contribuindo, como diz Abrantes Geraldes, para a “redução da margem de incerteza e de insegurança quanto à resposta a determinadas questões jurídicas”.

O aval é um negócio cambiário cujo regime jurídico emerge da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças. Tal diploma regula a responsabilidade do avalista perante os seus credores e o exercício do seu direito de reembolso contra o avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários: nada prevê quanto ao eventual direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

Por isso, e sobre essa falta de previsão, foram na jurisprudência surgindo duas respostas contraditórias. Eram elas:

1 – Não existindo convenção entre os avalistas nesse sentido, admitia o direito de regresso em termos idênticos aos previstos para a pluralidade de fiadores (artigo 650º do Código Civil), atentos os pontos de contacto entre as duas figuras;

2 – Uma outra que fazia depender o direito de regresso de convenção específica entre os avalistas.

A opção daquela decisão judicial, uniformizada, foi a opção pela primeira das respostas, radicada no “direito comum”: tem essa solução aplicação no silêncio das partes quanto ao acordo noutro qualquer sentido.

Assim, entendeu-se, e na nossa óptica bem, que sendo a disciplina de tal matéria remetida para o direito comum no que concerne às relações internas entre os avalistas, inexistem motivos que afastem a aplicabilidade do regime previsto para as obrigações solidárias, isso traduzindo-se na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade segundo a presunção de que os diversos obrigados respondem em partes iguais na dívida.

Esta concepção radica em princípios de justiça material e numa correcta repartição das responsabilidades. Considerar o contrário seria pugnar-se pelo desequilíbrio patrimonial entre sujeitos que se colocaram, inicialmente, e, repete-se, não havendo nada entre si estabelecido em sentido contrário, perante os seus credores (cambiários) no mesmo plano de responsabilidade.

Como refere Pais de Vasconcelos, os avalistas, ao prestarem o aval, “não podem deixar de contar com a possibilidade de virem ter de o pagar”.

Em conclusão, ao avalista que suportou o pagamento da quantia avalizada (ou em medida acima do que devia ter suportado) assiste o direito de regresso relativamente aos demais avalistas, vendo ser-lhe aplicada a solução prevista para as obrigações solidárias à semelhança do que se prevê para a pluralidade de fiadores.

João Carlos Teixiera

jt@acfa.pt