Nova lei da concorrência
Enquadramento
A Lei nº19/2012 (“Nova Lei da Concorrência”), publicada no Diário da República de 8 de Maio, aprova o novo regime jurídico da concorrência, revogando a Lei nº18/2003 de 11 de Junho.
O compromisso de revisão da Lei nº18/2003 no primeiro trimestre de 2012 foi assumido pelo Governo na Carta de Intenções dirigida ao FMI em 17 de Maio de 2011.
O Governo propôs-se melhorar a eficácia do direito da concorrência, aproximá-lo do direito da União Europeia e dotar a Autoridade da Concorrência dos meios financeiros adequados à sua acção.
Entrada em vigor
A Nova Lei da Concorrência entra em vigor 60 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 7 de Julho de 2012. Aplica-se aos inquéritos abertos, às concentrações notificadas e aos pedidos e denúncias apresentados após a sua entrada em vigor.
Proibição das práticas restritivas da concorrência
A Nova Lei da Concorrência mantém, a proibição dos acordos e das práticas concertadas entre empresas, das decisões de associações de empresas, dos abusos de posição dominante e dos abusos de dependência económica.
Estes comportamentos são proibidos quando restrinjam ou distorçam de forma sensível a concorrência no mercado nacional, ou quando sejam aptos a produzir esse resultado, independentemente de tal efeito ter sido pretendido ou de se ter efectivamente verificado.
Direitos e obrigações
As denúncias devem ser apresentadas em formulário aprovado pela Autoridade da Concorrência e publicitado na sua página electrónica.
Cabe às empresas e associações de empresas visadas em procedimentos sancionatórios por violação das regras de concorrência invocar o benefício das justificações admissíveis e fazer prova dessas justificações.
A Nova Lei da Concorrência não confere expressamente aos “visados”, modo como são designados os arguidos na nova lei, meios de reacção face ao incumprimento do prazo de 18 meses previsto para a conclusão do inquérito.
A instrução deve ser concluída no prazo máximo de 12 meses a contar da notificação da nota de ilicitude. O visado deve ser informado da impossibilidade de observância do prazo normal de conclusão da instrução.
Os visados podem requerer a audição de depoimentos capazes de esclarecer aspectos concretos da sua defesa escrita. As audições são gravadas e realizadas separadamente. A todos os visados é dado conhecimento das gravações e de eventuais documentos juntos.
Reforço dos poderes da Autoridade da Concorrência
A Autoridade da Concorrência pode:
• Prorrogar por igual período os prazos que ela própria fixa e alguns dos prazos estabelecidos na lei (ex. prazo geral de 10 dias úteis e o prazo de 20 dias úteis para resposta à nota de ilicitude).
• Recusar a prorrogação de qualquer prazo com fundamento em que o intuito do prolongamento é meramente dilatório. A decisão que recuse a prorrogação do prazo não é passível de recurso.
• Utilizar como meio de prova a informação classificada como confidencial, por razões de segredo de negócio, e bem assim a informação e a documentação obtida no exercício dos seus poderes de supervisão ou em outros processos sancionatórios.
• Realizar buscas nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas. As buscas podem abranger o exame, a recolha e a apreensão de extractos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte.
• Selar instalações e proceder de igual modo relativamente a computadores e outros equipamentos electrónicos de armazenamento de dados, na medida necessária à realização das diligências de prova.
• Realizar buscas no domicílio ou em veículos de sócios, de membros dos órgãos de administração, de trabalhadores e de colaboradores das empresas ou associações de empresas visadas.
Possibilidade de negociação
A Nova Lei da Concorrência dá ao visado a possibilidade de encetar negociações com a Autoridade da Concorrência tendo em vista definir as condições em que pode ser posto termo ao inquérito ou à instrução, mediante o reconhecimento da responsabilidade na infracção e a redução da coima aplicável.
A Nova Lei da Concorrência dá também ao visado a possibilidade de encetar negociações com vista a pôr termo ao inquérito ou à instrução, sem constatação de qualquer infracção, e mediante a assunção de compromissos capazes de eliminar eventuais efeitos indesejáveis para a concorrência decorrentes do comportamento investigado.
Sanções
A Nova Lei da Concorrência vem reconhecer expressamente a possibilidade de simples admoestação e dá à Autoridade da Concorrência o poder de impor medidas de conduta ou de carácter estrutural que sejam indispensáveis à cessação da prática restritiva da concorrência ou dos seus efeitos.
As medidas de carácter estrutural só podem ser impostas quando não existir qualquer medida de conduta igualmente eficaz ou quando esta for mais onerosa para o visado do que as medidas de carácter estrutural.
Dispensa ou redução da coima
Em processos de cartel (acordos entre concorrentes) a Autoridade da Concorrência pode isentar de coima a empresa que primeiro revele o seu envolvimento e forneça informações e elementos de prova que permitam realizar diligências de busca e apreensão ou verificar a existência de uma infracção.
A Autoridade da Concorrência pode conceder ainda uma redução especial da coima à primeira empresa (30% a 50%) à segunda empresa (20% a 30%) e às demais empresas (até 20%) que forneçam informações e provas de valor adicional significativo.
Alterações em matéria de controlo de concentrações
A aquisição de participações ou de activos em processo de insolvência passa a ser qualificada como concentração excepto quando realizada pelo administrador de insolvência.
A aquisição de participações por instituições de crédito, sociedades financeiras ou empresas de seguros em empresas com objecto distinto passa a ser qualificada como concentração a menos que tais participações sejam alienadas no prazo de um ano, excepcionalmente prorrogável pela Autoridade da Concorrência.
As concentrações continuam sujeitas a notificação prévia e a decisão de não oposição da Autoridade da Concorrência.
A notificação deve ter lugar quando qualquer das seguintes condições esteja preenchida:
– Aquisição, criação ou reforço de uma quota igual ou superior a 50 % no mercado nacional relevante;
– Aquisição, criação ou reforço de uma quota igual ou superior a 30% e inferior a 50% no mercado nacional relevante, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal, no último exercício, por pelo menos duas das empresas que participam na operação de concentração, seja superior a cinco milhões de euros;
O conjunto das empresas que participam na concentração tenha realizado em Portugal, no último exercício, um volume de negócios superior a 100 milhões de euros, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal por pelo menos duas dessas empresas seja superior a cinco milhões de euros.
A Nova Lei da Concorrência permite a notificação voluntária antecipada. Quando as empresas demonstrem ter intenção séria, ou pública, de realizar uma concentração podem notificá-la à Autoridade da Concorrência antes de concluir o acordo ou de realizar uma oferta pública de aquisição ou de troca.
Duas ou mais operações de concentração realizadas num período de dois anos entre as mesmas pessoas singulares ou colectivas passam a ser consideradas como uma única operação de concentração, sujeita a notificação prévia, quando o conjunto das operações atingir os valores de volume de negócios que tornam a notificação obrigatória.
Efectuada a notificação e instruída com todos os elementos necessários a Autoridade da Concorrência dispõe de 30 dias úteis para tomar uma decisão de não oposição ou para dar início a uma investigação aprofundada. A investigação aprofundada deve estar concluída no prazo de 90 dias úteis contados da notificação, podendo este prazo ser prorrogado por 20 dias a pedido da notificante.
A notificante pode, a todo o tempo, assumir compromissos com vista a assegurar a manutenção da concorrência efectiva. A Autoridade da Concorrência pode recusá-los sempre que considere que são insuficientes ou inadequados. Da recusa cabe reclamação, mas não cabe recurso.
Os prazos de decisão suspendem-se durante o tempo necessário à audiência prévia, à emissão de parecer vinculativo pela autoridade reguladora, à apreciação de compromissos e, em geral, sempre que a Autoridade da Concorrência solicite à notificante informações necessárias à avaliação dos efeitos da operação.
Sanções
A violação das regras em matéria de acordos e práticas concertadas entre empresas, de decisões de associações de empresas, de abusos de posição dominante e de abusos de dependência económica pode justificar apenas uma admoestação, ou a aplicação de coimas que podem atingir 10% do volume de negócios das empresas participantes.
A recusa de colaboração com a Autoridade da Concorrência, quando exigível, em especial a recusa de prestação de informações, e a prestação de informações falsas, inexactas ou incompletas, são puníveis com coimas até 1% do volume de negócios.
Para além de medidas de conduta ou de carácter estrutural, a Autoridade da Concorrência pode ainda determinar, por um período máximo de dois anos, a privação do direito de participar em procedimentos relativos a prestações típicas dos contratos de empreitada, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços ou ainda em procedimentos destinados à atribuição de licenças ou alvarás.
Prescrição
Os procedimentos de contra ordenação por práticas restritivas da concorrência extinguem-se decorridos cinco anos.
A prescrição interrompe-se todavia com a constituição de visado ou com a notificação de qualquer ato que pessoalmente o afecte.
A prescrição do procedimento suspende-se pelo tempo em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objecto de recurso judicial.
A suspensão da prescrição do procedimento não pode contudo ultrapassar três anos e a prescrição do procedimento tem sempre lugar decorridos sete anos e meio, ressalvado o tempo de suspensão.
O regime da prescrição foi pois sensivelmente alterado, em especial nos procedimentos de contra ordenação por práticas restritivas da concorrência. Nestes casos a prescrição pode não ocorrer senão decorridos dez anos e meio sobre a consumação da prática restritiva.
Recursos judiciais
Das decisões da Autoridade da Concorrência em processos contraordenacionais, cuja irrecorribilidade não esteja expressamente prevista na lei e que não sejam de mero expediente, cabe recurso para o novo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
O recurso tem efeito meramente devolutivo, excepto no caso de decisões que apliquem medidas de carácter estrutural em que o efeito é suspensivo.
Relativamente às decisões que apliquem coimas ou outras sanções, incluindo medidas de comportamento, o visado pode requerer que o recurso tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável. Deve nesse caso oferecer caução.
Relativamente às decisões finais da Autoridade da Concorrência o prazo de recurso é de 30 dias úteis, não sendo prorrogável.
Margarida Asseiceira
ma@acfa.pt